A mostra “Área de Cultivo” apresenta um conjunto de obras da série homônima da artista Lilian Maus, que vem sendo realizada, continuamente, há anos. Esses trabalhos conversam sobre o tempo ou através do tempo. Neles estão impressas as pausas temporais para a inserção de cada camada de matéria, aguardando-se a secagem das tintas à base de água. O tempo de fixação dos gestos faz-se presente sobre as áreas fecundas das folhas. Ao observar seus desenhos, estamos presenciando a interação dos modos individuais de reação dos materiais, resultantes das propriedades particulares de cada tinta, do relevo da superfície do papel, das variações dos lápis. Coloca-se em questão o que é possível de se controlar no lidar com essas matérias vivas e o que não se pode controlar**, por possuir maneiras de agir que não são impedidas, mas somente agregadas a todo o processo investigativo. Talvez, esteja proeminente nesses trabalhos a pesquisa do próprio processo artístico, que, como o filósofo Luigi Pareyson*** afirma, tem algo de aventura: a jornada da descoberta de uma forma que só se constitui através do fazer.
Mas as formas que se materializam nessa série não são fixas, antes instáveis e fluidas. Parecem estar escapando para além das bordas do papel, com uma vontade marcante de invadir o espaço, envolvendo-nos. Existem linhas que tecem por entre seus campos de cor. Suavemente, percorrem, envolvendo regiões ora mais diáfanas, ora mais densas. Constroem caminhos, extrapolam terrenos. A vivência da sensação de deslocamento ainda se dá pela permuta, a troca de corpos entre alguns dos desenhos. Fragmentos circulares, tais como lentes de aumento4, foram cortados e inseridos como enxertos. São ao mesmo tempo áreas de experiência ampliada da constituição da forma, como do contato com essa hibridação. É como se a sensação de que esses desenhos são capazes de florescer para além das áreas mostradas acabasse por resultar na situação extrema do salto de um pedaço de uma obra para outra.
A germinação dessas estruturas orgânicas sobre o papel, antevendo a extrapolação através do espaço circundante e constituindo ambientes que suscitam sensações tonais, carregam um sentido renovado de paisagem. De uma paisagem que está sempre além, que não se fecha num determinado recorte ortogonal, numa seleção do que nos cerca. Lilian considera que landscape é o termo que mais gosta para designar paisagem5, pois nele está o escape de terra. Aqui estamos lidando com a incapacidade de abarcar o todo com o olhar, da inabilidade de deter com as mãos essas formas maleáveis, pois se esgueiram e ultrapassam qualquer limite a elas impostas.

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* Talitha Motter é mestranda na linha de História e Crítica de Arte pelo PPGAV/UFRJ, co-editora da revista Arte ConTexto e curadora da plataforma Aura.
** MAUS, Lilian. Entrevista. 19 mar. 2015. Entrevista concedida à autora
*** PAREYSON, Luigi. Formação da obra de arte. In: ______. Estética: teoria da formatividade. Petrópolis: Vozes, 1993, p.59-92.