360° entre ações e palavras de Lilian Maus
Escrever a partir de uma produção de desenhos, até certo ponto, seria fácil, porque ele encontra-se em tudo, porém, não é este o caso específico que irei aqui abordar. Quando falo em não dificuldade, isto não implica uma diminuição de sua importância, ao contrário, nunca se viu tanta produção de novos artistas pensando o desenho e sua expansão. O que é o caso de Lilian Maus, onde também aos poucos fui descobrindo outros aspectos ainda não revelados dentro de seu trabalho. Isto se deu na medida em que nossa relação foi se estabelecendo num dos meios em que me encontro agora: o uso das palavras e o que isto implica como interlocução. A fala nos aproximou, pois ali são os diálogos que saem do corpo, num fluxo para serem construídas novas possibilidades, que ficam impregnadas no outro durante um tempo específico, ou mesmo para toda a vida, sendo isto o que denominamos de conhecimento como via de mão dupla, onde as ideias não soam apenas enquanto ecos. Como movimentos contínuos, onde criamos estratégias para poder organizar a experiência que vai sendo adquirida na sua inconstância.
Sempre que encontro com a produção da Lilian meus pensamentos são lançados com uma energia infinita, contaminando espaços tanto num suporte como papel, ou na parede de alguma arquitetura escolhida de forma nada aleatória pela artista. Uma parada de ônibus como um lugar para descansarmos aguardando o transporte que irá nos levar de um ponto a outro, neste caso ao interferir com palavras desenhadas, Lilian ressignifica o cotidiano escapando do comum senso ao disparar pensamentos para aqueles que esperam por algo na vida. O passageiro que aguarda o transporte suprindo do gesto demarcado pela artista no abrigo parado, descansando através de uma reflexão silenciosa, onde a dimensão e o tempo para cada um é sempre distinto, mesmo quando nos encontramos organizados em coletivos. Percebi o fluxo da produção de Lilian pela primeira vez, quando estive numa exposição individual que ela inaugurava em um espaço pequeno chamado não por acaso de Microgaleria, lugar de muito contato físico pela sua dimensão, propiciando aos espectadores uma íntima imersão naquilo que era apresentado pela artista. Lembro que seu universo foi sendo revelado através dos cadernos autorais contendo textos-desenhos, novamente palavras e desenhos, descrições de uma biodiversidade de interesses atravessado por uma poética que raramente encontramos na arte. Parte de sua biografia que nos era autorizada a compartilhar, isto por mais clara que fosse sua intenção de modo algum era óbvia, causando uma sensação de completarmos seu trabalho que parece estar sempre em construção, estabelecendo assim uma viagem sem volta como leitores particulares de sua obra. Lilian Maus consegue transmitir uma atmosfera que denomino de quase literatura, porque suas ações se dão através de uma fina camada transparente dos sentidos como um vidro coberto pela poeira acumulada, onde ao limpar algumas áreas da superfície com palavras revela uma paisagem agora não só imaginada, mas palpável através do olhar antes embaçado pelo tempo, colocando o espectador num estado de espírito de quem se deixa levar pelas lembranças, sonhos e imaginação como num teletransporte girando 360° numa velocidade inconstante. Seus grandes desenhos exigem uma disciplina corporal, resultando em outros estados de atenção e atitudes frente à ação empreendida, buscando um conforto na obtenção dos resultados projetados para onde e como serão apresentados. O que vemos são atos fluídos da artista onde ela ao mergulhar, aponta para uma ampla região que seus desígnios nos conduzem, como num simples ato de enrolar no dedo um fio de cabelo recolhido após o banho.
Alexandre Antunes
Julho 2010