VIAGEM AO INTERIOR
por Mario Fontanive

Quando a Lilian iniciou o doutorado, ela resolveu que iria para Osório, seria mais correto dizer que ela resolveu voltar para Osório, cidade onde passou parte da infância. Quis se afastar dos ruídos da cidade, de todos os ruídos, desde os físicos até os simbólicos. Buscava um silêncio, silêncio ou solidão são retiros onde talvez possamos ter uma medida melhor de nossas buscas. No silêncio ouvimos sons que normalmente estão escondidos sob camadas de outros sons, fazemos silêncio para escutar murmúrios, perceber discretos índices normalmente inescrutáveis. O silêncio é talvez um espelho onde podemos mergulhar mais atentos. Como disse o poeta, todo estado da alma é uma paisagem, tudo contém muito se os olhos bem olharem. Os silêncios, os vazios têm potências e o artista pode tornar político o que está escondido, abafado pelo barulho cotidiano.

Um dos encontros da Lilian foi com as histórias do lugar: ruínas, lendas, jornais, filmes, mapas, entre outras coisas que chamaram a atenção da artista e se tornaram objeto de trabalho. As lagoas do litoral norte gaúcho são interligadas por canais, onde é possível navegar de norte a sul de barco. Uma das histórias dessas navegações trata do naufrágio do barco Bento Gonçalves, em 1947. A artista cercou este evento com o levantamento de documentos históricos, a criação de registros próprios e a reconstituição do trajeto original do barco naufragado que ela realizou juntamente com o pescador José Ricardo, no barco Beija-flor. Em um encontro de passado e presente, com fotos e relatos da época e também o seu próprio registro fotográfico, a artista cria uma narrativa densa sobre o imaginário do lugar.

 


*Excertos do texto Viagem ao interior, de Mário Furtado Fontanive (Design/UFRGS), para a exposição “Soçobro”, no Paço Municiapal da Prefeitura, Porto Alegre, 2016.

Exposição Soçobro (veja mais imagens)